quarta-feira, 7 de julho de 2010

DOIS RIOS

Ambos nasceram e viveram a primeira parte de suas vidas às margens de um rio. Estados vizinhos. Ele de Alagoas. Ela de Pernambuco. A cidade dele dedicada à Santa Ana, mãe de Jesus. A cidade dela fazendo alusão ao criadouro de gados que deu origem ao povoado que se tornaria cidade.

Uma cidade às margens do Rio Ipanema. A outra, beirada pelo Rio Ipojuca. Moravam na zona rural de suas respectivas cidades em localidades que não eram nem povoados, nem distritos, nem bairros, apenas um lugar onde um dia eles nasceram, locais que recebem o nome que o povo dá.Novamente os rios entram na historia e acabam por batizar com suas águas o tal “lugar”. “Queimadas do Rio”, no caso dele. Apenas “Beira do Rio” no caso dela.

Ele saiu de lá para trabalhar. Ela saiu de lá para estudar. Ele foi morar com os tios. Ela como os avós paternos. Na cidade grande se conheceram. Acabaram por trabalhar na mesma rua, como vendedores em lojas quase dispostas frente a frente. Um dia a água, talvez a mesma água evaporada dos rios de onde nasceram, uniram os dois. Ela ia para a escola depois do trabalho. Começou a chover. Ele, esquecido como sempre, voltou para pegar o guarda-chuva. No meio do caminho pede para ela esperar, que ele a levará ao ponto do ônibus protegida da chuva. Na conversa, que foi boa, os destinos de cada um mudaram. Naquele dia ela não foi para a escola. Naquele dia, ele chegou mais tarde em casa. Alguns anos depois eu nasci.

Eu conheci as cidades em que eles nasceram, me banhei nos rios que batizaram as localidades que cresceram, já pernoitei nos “locais” tipo fim-de-mundo onde viveram parte de suas vidas até virem para a capital pernambucana, já fui às lojas onde se conheceram, e vi que as águas que geram vida e que entrelaçam caminhos, também têm força para fazer chorar e sofrer.

Nas últimas semanas essas duas cidades e esses dois rios viraram notícia no Brasil e no mundo. As águas caíram do céu em quantidade maior do que a terra poderia absorver. E assim saíram arrastando tudo e todos que se encontravam em seu caminho rumo ao mar. De certo que não foram as cidades mais atingidas e os rios que mais transbordaram, mas não há como não criar um vínculo afetivo com as pessoas que perderam tudo graças aos rios que um dia foram sua maior riqueza, sua principal base de sustentação. Essa água está no sangue de muitos de nós pernambucanos e alagoanos. Água do “planeta água”, água-história, água-destino, água-sede, água-lágrima, água-batismo, água-morte, água-vida, como na Páscoa, água-ressurreição, ressurreição que também faz parte da vida desses dois povos de fibra e coragem de Pernambuco e de Alagoas, estados irmãos, na alegria e agora também na dor e na esperança de ressurreição.