domingo, 15 de agosto de 2010

ENCERRANDO...

A terra gira em torno do sol, voltamos assim sempre ao mesmo lugar, mas sempre é diferente como na música “Por Enquanto” do Renato Russo, imortalizada pela Cássia Eller,“...mudaram as estações, nada mudou, mas eu sei que alguma coisa aconteceu, está tudo assim tão diferente...” ou como no poema do T.S. Eliot, “E no fim de nossa viagem, voltaremos ao nosso ponto de partida e teremos a impressão de vê-lo pela primeira vez”.

Primavera, verão, outono e inverno. A vida é medida por ciclos anuais, talvez por isso o hábito nosso de a cada ano, após uma sequência completa de mudanças de estações voltemos nossas memórias para o dia em que nascemos e comemoremos a data de nosso aniversário. Também “medimos” por anos muitos dos fatos de nossas vidas, relembrando em que estágio da vida estávamos um ano atrás por exemplo. Bom perceber que estamos em uma espiral crescente. Difícil porém quando essa percepção nos faz ver que ao invés de avanços contamos retrocessos, como na música do Chico: “... a gente vai contra a corrente até não poder resistir, na volta do barco é que sente o quanto deixou de cumprir...”.

Já foi tão mais fácil, tão mais leve, tão mais prazeroso escrever... hoje nem quando decidi por me render à falta de inspiração e encerrar as atualizações desse blog com uma série de mensagens em 7 dias as coisas correram como planejado... bom mesmo admitir pra si que o tempo deixa marcas, que não dá pra apagar assim tão fácil. Desta feita, neste 15 de agosto, dia especial, dia de festa, dia da assunção de Maria, aquela criatura pela qual o próprio Deus se apaixonou e quis com ela ter um filho, filho que viria ao mundo ensinar o pleno sentido do amor, neste dia em que ela sobe aos céus e reencontra seu amor verdadeiro, neste dia tão bonito que a dogmática teima em tratar de forma burocrática, encerro enfim as atualizações desse blog. [ele não tem mais palavras para continuar...]


“Que o caminho seja brando a teus pés
E o vento sopre leve em teus ombros,
Que o sol brilhe cálido sobre tua face,
As chuvas caiam serenas em teus campos.
E até que, de novo, eu te veja,
Que Deus te guarde na palma da sua mão”

(Bênção Irlandesa)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

No Terceiro dia...

NADA... não consegui escrever... muito mais falta de inspiração do que assunto... na verdade muito pra falar com pouco pra dizer... quem sabe amanhã, no quarto dia...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

No segundo dia...

No Gênesis, Deus cria o mundo em seis dias e descansa no sétimo. Metodologia eficiente, que permite pensar os passos dados e permite também um não pensar, um descansar. Talvez o mecanismo de “descriação” seja similar ao da criação, talvez por isso escolher sete dias para descriar um blog...

No primeiro dia não havia nada,
Tudo era sem forma, sem brio,
Sem luz e sem trevas,
Apenas o vazio.
Bom ter luz, ruim as trevas...
Em não tendo-se o bom,
Fica-se com o vazio.
Parece a melhor saída,
Ao menos nos dá a perspectiva,
Ainda que remota,
De uma recriação criativa.

No segundo dia,
Aquele após o primeiro,
Dividem-se as águas, cria-se um céu inteiro
E como que num roteiro
A água que pra lá sobe,
De lá volta um dia
E para o céu de novo torna,
Num ciclo que se completa
Quando o outro se reinicia,
Tal qual a vida nossa
vida "drummondiana" de cada dia.

E quando não houver
Lágrimas mais para derramar,
O céu em expectativa, ficará
Esperando que o efeito
Das lágrimas de outrora
Cesse, pare, passe,
Apenas para que, de novo um dia,
Vapor condensado em noite quente
Diante da calmaria,
Renasça em tempestade,
Reiniciando a vida ou a agonia.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Anúncio de Despedida: no primeiro dia...

Gostava de brincar que tinha uns quatro leitores aqui no blog. Creio que hoje tenha quase cinco [ele está “tentando” ser engraçado...]. Assim, aos meus quase cinco leitores, se é que ainda passam por aqui, informo que estou encerrando esse blog no próximo domingo. Antes disso, vou tentar escrever diariamente nele pela primeira vez, um último desafio à indisciplina criativa da qual sempre fui vítima.

Desta vez porém, como outrora já aconteceu, não irei cometer um “blogcídio” desativando o endereço, até porque, com esta antecedência anunciada seria um “blogcídio premeditado”. Também não irei deletar os posts anteriores como infelizmente já fiz. Tudo isto porque a experiência acaba ensinando que certos artifícios digitais não funcionam em campos mais complexos do ser, do sentir, do agir, do existir... o “deletar” na tela não funciona muito bem na “mente”.

As mensagens aqui escritas, pelo menos as que sobreviveram às contradições do autor, aqui permanecerão. Não como um marco, talvez mais como um sepulcro, onde se torna e se retorna, quando em vez, para fazer memória de momentos únicos que valeram sim a pena como os campos de trigo da raposa do Exupéry, mas que perdem o sentido diante de nossas ações (ou falta delas) em detrimento às palavras. Amo as palavras, reconheço sua força mágica, mas o encantamento acaba quando a palavra não se torna carne. Talvez por isso Deus tenha querido tanto que seu filho nascesse de uma mulher (“...e o verbo se fez carne...”), mulher pela qual Ele, o próprio Deus, se apaixonou.

Por falar nessa mulher, apenas a título de curiosidade, no próximo domingo, data prevista para o, digamos, encerramento de atualizações no blog, também é comemorada a festa de sua assunção, de sua subida ao céu, a qual prefiro ver de forma mais poética do que dogmática. Assim, quero acreditar que seja a festa na qual Deus reencontra a mulher pela qual se apaixonou um dia. Assim, a festa me parece mais bonita, mais litúrgica, mais real.

Voltando ao tema principal, o encerramento do blog acontecerá não por ausência de assuntos, opiniões ou sentimentos, muito pelo contrário, mas porque o autor percebeu a “presença da ausência” do querer, do poder, do ter direito a... e isso faz com que seja muito difícil escrever mesmo quando se tem muito a dizer... o Roberto Carlos meio que já cantou essa sensação de ter tanto pra falar mas não saber como dizer em palavras.

Além disso, é preciso saber sempre a hora de ir embora... Utilizando-se mais uma vez do artifício de referência à músicas, evoco em meu favor o Gilberto Gil com um de seus mais recentes sucessos, trilha sonora principal do filme “o homem que desafiou o diabo”: “...quem se escafede, se antecede ao fim do FIM...”

quarta-feira, 7 de julho de 2010

DOIS RIOS

Ambos nasceram e viveram a primeira parte de suas vidas às margens de um rio. Estados vizinhos. Ele de Alagoas. Ela de Pernambuco. A cidade dele dedicada à Santa Ana, mãe de Jesus. A cidade dela fazendo alusão ao criadouro de gados que deu origem ao povoado que se tornaria cidade.

Uma cidade às margens do Rio Ipanema. A outra, beirada pelo Rio Ipojuca. Moravam na zona rural de suas respectivas cidades em localidades que não eram nem povoados, nem distritos, nem bairros, apenas um lugar onde um dia eles nasceram, locais que recebem o nome que o povo dá.Novamente os rios entram na historia e acabam por batizar com suas águas o tal “lugar”. “Queimadas do Rio”, no caso dele. Apenas “Beira do Rio” no caso dela.

Ele saiu de lá para trabalhar. Ela saiu de lá para estudar. Ele foi morar com os tios. Ela como os avós paternos. Na cidade grande se conheceram. Acabaram por trabalhar na mesma rua, como vendedores em lojas quase dispostas frente a frente. Um dia a água, talvez a mesma água evaporada dos rios de onde nasceram, uniram os dois. Ela ia para a escola depois do trabalho. Começou a chover. Ele, esquecido como sempre, voltou para pegar o guarda-chuva. No meio do caminho pede para ela esperar, que ele a levará ao ponto do ônibus protegida da chuva. Na conversa, que foi boa, os destinos de cada um mudaram. Naquele dia ela não foi para a escola. Naquele dia, ele chegou mais tarde em casa. Alguns anos depois eu nasci.

Eu conheci as cidades em que eles nasceram, me banhei nos rios que batizaram as localidades que cresceram, já pernoitei nos “locais” tipo fim-de-mundo onde viveram parte de suas vidas até virem para a capital pernambucana, já fui às lojas onde se conheceram, e vi que as águas que geram vida e que entrelaçam caminhos, também têm força para fazer chorar e sofrer.

Nas últimas semanas essas duas cidades e esses dois rios viraram notícia no Brasil e no mundo. As águas caíram do céu em quantidade maior do que a terra poderia absorver. E assim saíram arrastando tudo e todos que se encontravam em seu caminho rumo ao mar. De certo que não foram as cidades mais atingidas e os rios que mais transbordaram, mas não há como não criar um vínculo afetivo com as pessoas que perderam tudo graças aos rios que um dia foram sua maior riqueza, sua principal base de sustentação. Essa água está no sangue de muitos de nós pernambucanos e alagoanos. Água do “planeta água”, água-história, água-destino, água-sede, água-lágrima, água-batismo, água-morte, água-vida, como na Páscoa, água-ressurreição, ressurreição que também faz parte da vida desses dois povos de fibra e coragem de Pernambuco e de Alagoas, estados irmãos, na alegria e agora também na dor e na esperança de ressurreição.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

PINTURAS

Nietzsche foi brilhante ao perceber que ninguém tira de um livro mais do que tem dentro de si mesmo. Os mais puritanos podem achar até herético associá-lo a Jesus, mas este último, de forma não menos poética e filosófica, também fez menção a este fenômeno quando comparou o reino dos céus a um pai que tira de seu baú coisas novas e velhas.

Vê-se, portanto, que o que de fato importa para enxergarmos o mundo são as ”lentes” que utilizamos para tal fim: nossas experiências passadas, nossa formação (ou deformação), os êxitos e os fracassos, as certezas e as dúvidas, as oportunidades aproveitadas e aquelas cujos detalhes se perderam, parafraseando o Roberto Carlos, na longa estrada do tempo que transforma as coisas em quase nada. Mas que quase também são mais um detalhe, pois as coisas importantes, marcantes, intensas, não morrem facilmente e de vez em quando, por estarem guardadas em nossas mentes e corações, acabam aflorando, vindo à tona, se fazendo presentes pela ausência. Computadores são dotados de ferramentas para “deletar” , “bloquear”, “negar permissão”, “arquivar”, “formatar”... o ser humano não. Pobres máquinas! Talvez o Jesus adicionasse hoje em dia uma nova bem-aventurança: Bem aventurados os que não esquecem...

Em minha última crônica, “Tudo Sobre Você”, fiz referência à minha admiração aos poetas e aos compositores pela densidade do que descrevem, capazes de encerrarem o infinito no pequeno espaço de poucas palavras. Mas o que dizer dos que conseguem fazer o mesmo, mas sem as palavras? Os pintores por exemplo. Sem palavras, as telas recheadas de cores e formas – imóveis – são capazes de levar a uma infinita mobilidade de pensamentos.

Ali, naquele espaço outrora em branco, agora coberto de tintas, o enunciado do Nietzsche é ainda mais claro, evidente, óbvio. É minha emoção, é minha recordação, é minha percepção, aquilo que dá sentido ao que vejo. Posso olhar um quadro hoje e novamente amanhã ou depois de um ano, e em cada um desses momentos, minha interpretação, minha significação, minha interação simbólica, me levará de volta aos “mares”, ao contrário do poeta, “dantes navegados” e me deixará a sensação de que da próxima vez que vê-lo, terei – agora sim, como o poeta – ido “por mares nunca dantes navegados”, com aquela sensação de estarmos dentro de um poema do T.S.Eliot, nos vendo no fim de nossa viagem, voltando ao ponto de partida e tendo a impressão de vê-lo pela primeira vez.

Enquanto escrevo, lembro de um trecho do belíssimo “Uma Mente Brilhante” – filme que é um retrato parcialmente biográfico do ganhador do Nobel, gênio matemático, precursor da Teoria dos Jogos, revisor da teoria econômica clássica e, creiam, esquizofrênico, John Nash – onde o personagem interpretado pela belíssima Jennifer Connelly, Alicia Nash, esposa do protagonista da história, em uma festa, ao admirar uma pintura supõe que Deus seja um pintor, pois só isso explicaria a existência de tantas cores.

As nossas lembranças podem ser analogamente comparadas a quadros emoldurados pela vida e fixados na parede de nossa alma. Talvez por isso, muitas vezes, nos resta tão somente a possibilidade de ter acesso apenas às pinturas que marcaram e demarcaram o nosso existir, mostrando-nos aquilo em que nos tornamos e principalmente aquilo que nunca conseguimos ser. Imobilidade... mobilidade... imobilidade...

terça-feira, 11 de maio de 2010

TUDO SOBRE VOCÊ

Não me canso de admirar, mesmo que com uma “pontinha” de inveja (da boa), a incrível capacidade de síntese dos poetas e dos compositores, competência que lhes dá condições de falar sobre o infinito em quantidades finitas de palavras.

Dia desses me deparei com uma dessas preciosidades, a música “Tudo Sobre Você” do John Ulhoa e da Zelia Duncan, muito bem interpretada pela própria Zelia. Abaixo a letra da música e um link para quem desejar ouvi-la (recomendo!):

TUDO SOBRE VOCÊ

Queria descobrir

Em 24hs tudo que você adora
Tudo que te faz sorrir
E num fim de semana
Tudo que você mais ama
E no prazo de um mês
Tudo que você já fez
É tanta coisa que eu não sei
Não sei se eu saberia
Chegar até o final do dia sem você

E até saber de cor
No fim desse semestre
O que mais te apetece
O que te cai melhor
Enfim eu saberia
365 noites bastariam
Pra me explicar por que
Como isso foi acontecer
Não sei se eu saberia
Chegar até o final do dia sem você

Por que em tão pouco tempo
Faz tanto tempo que eu te queria

Ouça a música AQUI

Quando se está apaixonado as coisas acontecem mais ou menos assim como na música, cada hora, cada fim de semana, cada mês, cada semestre, cada conjunto de 365 dias é dedicado a saber mais, a conhecer mais a pessoa amada, a pessoa que não se esquece, a pessoa em torno da qual os nossos pensamentos passam a girar.

Quando se ama de verdade, não é preciso pedir ao amante que faça resumos sobre a vida do ser amado,até porque a vontade de quem ama não é resumir, é ampliar.

Quando o amor fala mais alto, exigir freqüência de quem se ama soa até ridículo, pois quem ama está presente até na presença de uma ausência.
Quando se ama de coração, não é necessário pedir que quem ama faça uma apresentação em PowerPoint do seu amor, pois a apresentação está nele mesmo, na alegria estampada na “tela” de seu rosto, no entusiasmo com o qual fala sobre a pessoa que ama.

Quando o amor é verdadeiro, não são necessárias provas, avaliações, testes, pois fica sempre notório que a pessoa que ama é expert quando o assunto é o objeto de seu amor.

Quando a pessoa amada passa a ser o centro de sua vida, não existe nota, muito menos média mínima, pois sempre se quer o máximo, sempre se quer ir além dos limites, ir até onde ninguém foi, romper barreiras, sejam elas geográficas, sociais ou mesmo ideológicas.

Quando o coração bate mais forte à mínima menção do nome de quem se ama, e quando essa pulsação acelerada vem acompanhada de um sentimento de felicidade, não existem reprovações, apenas a certeza de que se tem o essencial e não o supérfluo e, ainda que esse “essencial” seja invisível aos olhos como nos ensina a raposa d’O Pequeno Príncipe.

Se utilizássemos um pouco dessa lógica em nossas salas de aula, nós professores, compreenderíamos que nosso objetivo principal não é o de ensinar o assunto, o conteúdo programático, a ementa, mas sim o de sermos “cupidos” intermediadores entre os alunos e os conhecimentos.

Nosso papel é o de promover, atiçar e eternizar a paixão pela busca do conhecimento. Se fizéssemos isso, resumos, apresentações, seminários,
chamadas, provas, testes, simulados, notas, médias, aprovações, seriam termos obsoletos para designar palavras como amplidão, felicidade, prazer, alegria, intensidade, motivação, autonomia, liberdade, admiração, realização, integridade, coerência...

Colegas professores, bem que podíamos ouvir mais músicas, recitar mais poesias, assistir mais filmes, enfim, nos apaixonar mais, pois sem paixão não faz sentido ser professor, não faz sentido ser aluno, não faz sentido existir conhecimento algum, pois não haveria sentido em buscá-lo. Nada faz mesmo muito sentido quando não se tem paixão...

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Apesar de...

Apesar de, por vezes, desacreditar das pessoas
Apesar de achar que as pessoas ficam mais insensíveis a cada dia
Apesar de perceber que a famosa frase posta na boca da raposa do Saint-Éxupery anda meio fora de moda
Apesar disso, apesar daquilo, não se pode deixar de:
acreditar nas pessoas
surpreender-se com a sensibilidade delas
cativar e deixar-se cativar...

Como diria a Clarice Lispector:

"Uma das coisas que aprendi
É que se deve viver apesar de.
Apesar de, se deve comer.
Apesar de, se deve amar.
Apesar de, se deve morrer.
Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de
Que nos empurra para a frente"

segunda-feira, 22 de março de 2010

VITÓRIA DA "CRUZ"

Certamente, uma das coisas que mais admiro na liturgia católica é o profundo respeito à perspectiva cíclica do tempo e sua relação com o rito, o qual é, segundo a raposa do livro O Pequeno Príncipe do Antoine Saint-Éxupery, “o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias, uma hora diferente das outras horas”.

A liturgia católica diz que estamos no tempo dito “quaresma”, palavra que etmologicamente remonta ao número 40 e que faz referência aos 40 dias que Jesus teria jejuado antes de iniciar sua vida pública. Para as civilizações antigas os números comunicavam mais do que quantidades, expressavam também ideias, conceitos, símbolos. Nessa perspectiva 40 significa também “o tempo necessário para que algo aconteça”.

Realmente, ninguém sabe ao certo se o Cristo ficou 40 dias no deserto ou se o povo judeu, liberto da escravidão do Egito, caminhou mesmo 40 anos rumo à terra prometida de Canaã. Sabe-se apenas que tudo aconteceu no tempo que foi necessário para acontecer.

Literalmente, neste final de semana, várias foram as referências circulares, que me fizeram pensar no tempo, tanto que resolvi escrever alguns pensamentos dentro de um tempo de 40 minutos. Já estou escrevendo a 15. Faltam-me apenas 25 minutos? Não, de modo algum. Tenho o tempo que for necessário para escrever, já que os meus 40 minutos são um conceito abstrato-simbólico e não uma porção física de tempo.

A coisa começou quando ouvi um dos mais tradicionais cantos da quaresma, o “Vitória”. Seu refrão diz: “Vitória, tu reinarás, ó cruz tu nos salvarás!”. É demasiado interessante a pseudo contradição da letra. Como um instrumento de tortura e de morte como a cruz pode ser a expressão de uma vitória? Porque cantar a vitória ainda na quaresma se a Páscoa só acontece depois?

Todas essas contradições são apenas aparentes, realçadas pelo efeito imediato que temos em nossas perspectivas de vida, esquecendo que tudo é avaliado não só sob a ótica do curto prazo, mas também do médio e, sobretudo, do longo prazo. Ampliando nossas perspectivas temporais, vemos que o sofrimento parece ser, tanto na religião, quanto na História, na natureza, nas Universidades, na Administração, na vida enfim, um dos mais fortes instrumentos para se alcançar a vitória, atingir objetivos, concluir metas, realizar sonhos.

E não, isto não é uma exaltação à dor, mas uma exaltação à “cruz”, ao instrumento, ao meio pelo qual se chega aos fins. A dor do processo é inevitável. Pode doer mais ou menos, mas ainda assim ela – a dor – estará lá e se é inevitável, inevitável também parece ser a necessidade de aprender algo com isso, não para justificar o sofrimento, mas para evitar dores maiores no futuro.

Na palavra “sacrifício” encontramos a mesma raiz de “sagrado”. “Sagrar” tem a ver com “deixar uma marca”. Talvez as palavras nos ajudem a entender porque os momentos mais “marcantes” de nossa vida, os mais “sagrados”, sejam aqueles que tenham exigido tanto “sacrifício” de nossa parte e das pessoas que estão mais perto de nós.

A morte de Jesus foi necessária, sem ela não haveria ressurreição. A cruz, a dor, o sofrimento, a aceitação do momento em prol da humanidade, foi a catarse para o surgimento do Cristianismo. O movimento mineiro por libertação no final do século 18, a traição, o martírio de um homem do povo, sem posses, um dentista, um “tiradentes", sua humilhação pública que deveria desencorajar ações revolucionárias futuras, tudo isso foi a catarse para a independência brasileira, “liberdade ainda que tardia”. As inúmeras e cansativas tentativas de romper o casulo são a catarse que leva uma grotesca lagarta a se transformas numa das mais belas e coloridas criaturas: a borboleta. A extenuante jornada de estudos, o estressante ritmo das aulas, as poucas horas de sono, as tantas renúncias feitas são a cartase para a entrada numa universidade e para a, consequente, escolha de um ofício, de um “sacro-ofício”. A labuta diária, os “sapos engolidos”, a busca pelo atingimento de metas, o rigor de uma jornada de trabalho árdua, são uma catarse para o sucesso profissional, para o reconhecimento da competência individual e do grupo, a “mola” do desenvolvimento econômico e social. O viver, o crescer e o morrer, são enfim, a cartase para o “ser humano”, para que sejamos realmente humanos.

Nota-se então, que a vitória não é ponto de chegada, é caminho, e por isso é importante desde já cantar e decantar a vitória do Cristo Ressuscitado, do mártir patriota, da bela borboleta, do esforçado estudante, do trabalhador perseverante, enfim, do homem e da mulher de cada dia, que ri e chora, mas que busca sempre mais, afinal de contas, se Deus criou o infinito foi pra que a vida fosse sempre mais.

Inicialmente pensei em gastar 40 minutos, mas esse texto demorou 75 minutos para ser feito, ao menos no relógio do meu pulso, porque no relógio do tempo do coração, demorou o tempo que foi suficiente para se concretizar.

sábado, 30 de janeiro de 2010

DIA DA SAUDADE

Chico Buarque canta que “tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”, e na sequência busca a resposta para esse sentimento a partir de duas possibilidades: “foi o mundo então que cresceu” ou “a gente estancou de repente”?

Pesquisadores dos efeitos psicológicos do tempo, Zimbardo e Boyd, não perdoam ao nos revelar de forma categórica o que parecemos querer não enxergar: “não há nada que qualquer um de nós possa fazer nesta vida para acrescentar um momento a mais no tempo, e nada permitirá que possamos reaver o tempo mal-empregado.” Ainda assim a gente estanca e mínimos detalhes podem até ser sinais inconscientes desse nosso estancar...

Lembro que quando era criança, minha mãe comprava daqueles calendários onde a cada novo dia devíamos arrancar a folhinha do dia anterior para dar vez à folhinha do dia de hoje. Era uma disputa entre mim e meus irmãos para ver quem conseguia arrancar primeiro a folhinha. Em não raras vezes nos pegávamos esperando dar meia-noite para puxar a nova folha. Éramos crianças, não temíamos o tempo, estávamos sempre ávidos pela mudança, pelo novo dia, pelo espanto que ele trazia aos nossos olhos. A passagem dos dias era celebrada com a alegria da abertura ao desconhecido, ao imprevisível, à novidade.

Vi-me hoje diante de um desses calendários, que comprei ao final de 2009, de certo modo para fazer memória dos tempos passados, tempo onde se olhava para o futuro em cada dia presente. Mas os anos passaram, ou como diria o Renato Russo, “mudaram as estações” e mesmo que digamos que aparentemente “nada mudou”, “mas eu sei que alguma coisa aconteceu”, pois há algo “assim tão diferente”. A diferença era que o calendário marcava o dia 27 de janeiro. Só que já era dia 30 de janeiro, e dia já adiantado, com sol do agreste à pino...

Arranco a folha do dia 27 sem nem lembrar ao certo o que aconteceu nesta data. Faço o mesmo com os dias 28 e 29. Enfim, emparelho o meu calendário com o calendário do mundo. Da mesma forma rápida com a qual arranquei as páginas do calendário, percebo que, como naquela música antiga do Roberto Carlos, “os dias passam correndo”.

Percebo ainda na folhinha, mais um sinal. A palavra “sinal” já não me parece, como antes, tão mais adequada do que a palavra “coincidência”, mas ainda assim insisto, sabe-se lá porque, em usá-la. Na folhinha dizia que 30 de janeiro é o “dia da saudade”.

Até procurei na Internet, mas não encontrei nenhuma razão específica para justo o dia 30 de janeiro ser dedicado à saudade. Talvez por ser o dia do assassinato de Gandhi, sobre o qual Einstein certa vez disse “que as gerações por vir terão dificuldade em acreditar que um homem como este realmente existiu e caminhou sobre a Terra”. O mundo sente saudades de Gandhi, de “Gandhis”. Quem sabe talvez, possa ser devido ao fato de que a última apresentação pública dos Beatles antes da separação da banda ocorreu numa tarde fria de 30 de janeiro. Saudades de um sonho que acabou!

De minha parte fiquei pensando se o passar de 30 dias do novo ano não seria aquele tempo suficiente para percebermos que toda aquela euforia, um mês antes, com o novo ano a se iniciar não seria apenas uma forma de fingir para nós mesmos a realidade de que o bom era o “ano velho”, os dias que se foram, a infância de nossas vidas, o símbolo de uma época de sonhos que hoje percebemos como ilusão. Em sendo assim seria normal sentir saudades.

Mas o que falar sobre saudade? É paradoxal ter dificuldades em explicar algo que se é tão íntimo. Se no “Show do Milhão” o Silvio Santos permitia que fosse solicitada a ajuda dos universitários, me permito então pedir a ajuda dos poetas, para que me ajudem a render homenagem à saudade no dia a ela dedicado, ao menos no calendário civil, porque no calendário cordial, todo dia é dia da saudade:


“Saudade é um dos sentimentos mais urgentes que existem”
(Clarice Lispector)

“O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...”
(Mário Quintana)

“Quando se ouve boa música fica-se com saudade de algo que nunca se teve e nunca se terá”
(Samuel Howe)

“Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue”
(Adriana Falcão)

“Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante”
(Carlos Drummond de Andrade)

“Deus existe para tranquilizar a saudade”
(Rubem Alves)

“Dos nossos planos é que tenho mais saudade”
(Renato Russo)

“Conservar algo que possa recordar-te seria admitir que eu pudesse esquecer-te”
(William Shakespeare)

“Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração, escorre pelos olhos”
(Bob Marley)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

PROBLEMA DE COLUNA

Estou agora olhando através da janela da minha sala aqui na universidade. A vegetação típica do agreste pernambucano vai se esverdeando novamente com o pouco de chuva que caiu nos últimos dias. Ao fundo, carros vão e voltam pela rodovia que passa aqui perto. Para poder ver melhor, mexo a cabeça de um lado para o outro pois uma pilastra externa à janela divide em duas partes o que quero ver, atrapalhando-me de desfrutar da paisagem em sua totalidade. Um problema!

Depois de algumas mexidas de cabeça me dou conta enfim da existência da tal pilastra. Eu a via sim, ela até me atrapalhava de ver além, mas na verdade eu não a enxergava. Era um nada, um vazio que se posicionava bem em frente ao meu desejo de ver. E como toda pilastra, toda coluna, ela é imóvel, rígida, fixa, teimosa, persistente. Assim, acabei por me ater um pouco a ela e ao dar atenção a esta estrutura acabei por ver outras “paisagens”.

Vi que sem ela, o teto que está acima e que me protege do sol e da chuva que hoje aqui cai, viria abaixo. Vi que a existência dela demandou toda uma história anterior. Fiquei pensando em quem a projetou, nas horas de estudo na faculdade e nos inúmeros cálculos que precisou aprender para definir a resistência do material. Pensei ainda em quem a construiu, operários que talvez nunca tenham a chance de cursar uma faculdade, que tiveram a resistência de, sob sol escaldante, colocar a massa junto com o concreto em determinadas proporções e formas, calculadas por alguém desconhecido, para pessoas ainda mais desconhecidas. Pensei ainda em todas as pessoas envolvidas no processo burocrático que culminou no feitio daquela coluna: planos de governo, contatos, conchavos, orçamentos, politicagens, reuniões acadêmicas...

Assim, aprendi a ficar amigo da coluna em frente a minha janela e a respeitar sua história, seus dissabores, suas alegrias, suas vitórias, sua imparcialidade parcial de quem inevitavelmente só tem uma visão por estar fixa ante a minha janela.

Assim são também as pessoas que aparentemente nos atrapalham. Querem apenas um pouco de atenção, querem se sentir importantes porque de fato são. Chefes dizem que seus empregados são o problema por permanecerem estáticos; professores falam o mesmo quanto a seus alunos por serem teimosos. Esquecemos que só há chefes e professores quando existem empregados e alunos. São eles a estrutura que impede que o mundo venha abaixo, portanto, talvez seja melhor enxergá-los de verdade, ouvir suas histórias, ter novas visões de mundo através das janelas que foram posicionadas em nossas vidas.

O autor do belíssimo livro “O Mundo de Sofia” estava certo quando disse que perdemos a capacidade de ser filósofos quando crescemos, por deixarmos de nos admirar com as coisas simples (como a coluna que insistentemente está há mais de três meses na minha frente). Uma criança com certeza a teria notado e a teria questionado muito antes. Talvez por isso, como disse Jesus, o reino de Deus é delas, primordialmente, pois não se cansam de desfrutar, de se admirar e de questionar o mundo que se apresenta todos os dias ante seus olhos. Preciso aprender mais com as crianças e com as colunas imóveis diante das janelas de minha vida...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

CANTORES FALSOS, BONITAS CANÇÕES

Gosto de músicas que me fazem parar para pensar. O que aconteceu recentemente com “Choro Bandido”, canção do Chico Buarque e do Edu Lobo que até dia desses não conhecia. As palavras iniciais sugestivamente afirmam: “Mesmo que os cantores sejam falsos como eu, serão bonitas, não importa, são bonitas as canções...” E o restante da música, até os brilhantes versos finais, são uma sucessão de aparentes paradoxos. Apenas “aparentes”, pois o fato de se estar em contradição, mesmo sendo o ato contraditório um paradoxo por natureza, talvez seja a menor das contradições humanas, pois cada um, em algum momento da vida já experimentou a sensação de ser incoerente.

O cantor pode ser falso, mas isso não é essencial quando a música é bonita. O comportamento pode até ser ruim, mas isso não muda o fato de que, por vezes, o sentimento que destoa da ação seja algo bonito.

Nossa sociedade foi educada para julgar fatos concretos, observáveis, mensuráveis, esquecendo que nem sempre o fato em si é o mais importante. Esquecemos de ir na raiz, de nos surpreender com o magia da música, ficamos apenas no nível da superficialidade da voz aparente do cantor. “No peito de um desafinado também bate um coração”, dizia Tom Jobim. As vezes somos péssimos cantores, mas não significa que não saibamos compor belas canções de amor.

Em seu poema “Autopsicografia”, Fernando Pessoa consegue, com o requinte e a sofisticação dos grandes poetas justificar o injustificável. “ O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor...” Não é realmente importante ser um exemplo, mas é importante ter um exemplo.

Sou professor. Ser professor é quase ser um poeta nesse sentido “pessoano”. Seria bom que fóssemos sempre exemplos, que fizéssemos sempre aquilo que ensinamos, mas se não o somos, se – como gosto de brincar com os alunos – professores são gente também (mesmo que alguns de nós não pareçamos), então estamos sujeitos a cair no inevitável da contradição, no paradoxo do ser. Se não somos exemplos porém, não podemos nos dar ao luxo de não termos exemplos a dar. Podemos não conseguir administrar nossas vidas, pôr em prática o que defendemos, mas não será por isso que privaremos os outros de terem as ferramentas necessárias para conduzir seu próprio processo de aplicação de tudo o que aprenderam. Até porque, como gosta de repetir o Rubem Alves, “ostra feliz não faz pérolas” (explicação: a pérola surge quando a ostra, incomodada por um grão de areia que conseguiu adentrar em seu casco e que a faz sofrer, com o intuito de aliviar esta dor, envolve o tal grão com certa substância, que uma vez cristalizada a denominamos de pérola).

Não quero aqui justificar incoerências, diminuir o valor da ação em detrimento ao pensamento ou mesmo incentivar o exercício da farsa. O julgamento fica por conta de cada um, como sempre acontece... sempre... Estou apenas compartilhando pontos de vista que, parafraseando o final da música do Chico, “mesmo sendo errados, não deixam de ser bons” (ou seria “mesmo que sendo bons, não deixam de ser errados???)