segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

CANTORES FALSOS, BONITAS CANÇÕES

Gosto de músicas que me fazem parar para pensar. O que aconteceu recentemente com “Choro Bandido”, canção do Chico Buarque e do Edu Lobo que até dia desses não conhecia. As palavras iniciais sugestivamente afirmam: “Mesmo que os cantores sejam falsos como eu, serão bonitas, não importa, são bonitas as canções...” E o restante da música, até os brilhantes versos finais, são uma sucessão de aparentes paradoxos. Apenas “aparentes”, pois o fato de se estar em contradição, mesmo sendo o ato contraditório um paradoxo por natureza, talvez seja a menor das contradições humanas, pois cada um, em algum momento da vida já experimentou a sensação de ser incoerente.

O cantor pode ser falso, mas isso não é essencial quando a música é bonita. O comportamento pode até ser ruim, mas isso não muda o fato de que, por vezes, o sentimento que destoa da ação seja algo bonito.

Nossa sociedade foi educada para julgar fatos concretos, observáveis, mensuráveis, esquecendo que nem sempre o fato em si é o mais importante. Esquecemos de ir na raiz, de nos surpreender com o magia da música, ficamos apenas no nível da superficialidade da voz aparente do cantor. “No peito de um desafinado também bate um coração”, dizia Tom Jobim. As vezes somos péssimos cantores, mas não significa que não saibamos compor belas canções de amor.

Em seu poema “Autopsicografia”, Fernando Pessoa consegue, com o requinte e a sofisticação dos grandes poetas justificar o injustificável. “ O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor...” Não é realmente importante ser um exemplo, mas é importante ter um exemplo.

Sou professor. Ser professor é quase ser um poeta nesse sentido “pessoano”. Seria bom que fóssemos sempre exemplos, que fizéssemos sempre aquilo que ensinamos, mas se não o somos, se – como gosto de brincar com os alunos – professores são gente também (mesmo que alguns de nós não pareçamos), então estamos sujeitos a cair no inevitável da contradição, no paradoxo do ser. Se não somos exemplos porém, não podemos nos dar ao luxo de não termos exemplos a dar. Podemos não conseguir administrar nossas vidas, pôr em prática o que defendemos, mas não será por isso que privaremos os outros de terem as ferramentas necessárias para conduzir seu próprio processo de aplicação de tudo o que aprenderam. Até porque, como gosta de repetir o Rubem Alves, “ostra feliz não faz pérolas” (explicação: a pérola surge quando a ostra, incomodada por um grão de areia que conseguiu adentrar em seu casco e que a faz sofrer, com o intuito de aliviar esta dor, envolve o tal grão com certa substância, que uma vez cristalizada a denominamos de pérola).

Não quero aqui justificar incoerências, diminuir o valor da ação em detrimento ao pensamento ou mesmo incentivar o exercício da farsa. O julgamento fica por conta de cada um, como sempre acontece... sempre... Estou apenas compartilhando pontos de vista que, parafraseando o final da música do Chico, “mesmo sendo errados, não deixam de ser bons” (ou seria “mesmo que sendo bons, não deixam de ser errados???)

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